Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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M A C B E T H
Um comentário ao filme dirigido por Roman Polanski
 
Luiz-Olyntho Telles da Silva
Agosto/2015


Macbeth é a peça de Shakespeare preferida por muitos críticos. Talvez seja a mais densa e, certamente, a mais terrível. Eliot, para a sua Terra devastada, queria tomar como epígrafe as palavras de Macduff: Ó horror, horror, horror! Freud, estudioso dos clássicos e grande admirador do Bardo, queria morrer como Macbeth, vestido com a armadura (V,i,73) e lutando até o fim. Vitor Hugo comparou-o a Nemrod, o bíblico rei da Babilônia, caçador de almas, a quem o historiador Flávio Josefo atribuiu a construção da Torre de Babel. Verdade, Macbeth queria sempre mais!

Plena de fantasmagorias e alusões ao mundo das trevas, muitos tomam o medo como sendo o tema principal dessa tragédia. Para Manuel Bandeira é uma tragédia da ambição. É tudo isso, e também uma tragédia do destino. Polanski parece seguir também o mesmo ponto de vista.

Embora tanto o teatro como o filme comecem pelas bruxas, na película destaca-se a vara de condão. Lembra Parmênides desenhando um círculo para representar o ser, diferençando-o do não ser. E no buraco do que é, coisas para tecer a vida de Macbeth, a começar por uma corda com nó de forca. Alguns críticos querem ver nas três bruxas a influência da peça Três Sibilas, de Gwyne, a que Shakespeare teria assistido no ano anterior à primeira apresentação de sua tragédia, ocorrida em 1606. É bem possível, mas a corda, representando o fio da vida, não deixa dúvidas: aí estão as três Moiras. Enquanto a primeira, Cloto, fia, Láquesis enrola e Átropos corta. Em outras palavras: o destino dá corda para se enforcar! E, como se não bastasse, ainda enterram junto uma mão segurando uma adaga voltada para si. Mais tarde, quando Macbeth alucina o punhal, momentos antes de assassinar o Rei Duncan, é o cabo que está voltado para ele, como se dissesse: - Empunhe-me! É só depois, no après coup, que ele se dá conta: ao matar o outro, acaba também com sua própria vida! Mas já é tarde.

Macbeth é, antes de tudo, um bravo. Verdadeiro cão de briga! Como um pitbull, feroz com o inimigo e dócil com o dono, logo conquista a confiança e a benesse do Rei. A metábole, no sentido aristotélico, que o transmuda, dá-se no encontro com as bruxas. Freud percebeu que para compreender essa personagem, é preciso juntá-la com outra, pois não raro figuras históricas - conforme sugestão de Ludwig Jekels -, aparecem desdobradas nas peças shakespearianas. No caso, seu complemento é Lady Macbeth. Só, ele é apenas um sonhador, demasiadamente cheio do leite da bondade humana (I,v,17), como no referido provérbio do gato que quer o peixe, mas não molha as patas (I,vii,57). Junto com ela, contudo, que é capaz de esvair-se de toda a sexualidade (I,v,49), ele dá pleno curso ao destino. Diferente de Aquiles, a quem foi dado escolher entre uma vida longa e desconhecida e outra breve e de fama eterna, para Macbeth a voz do outro é imperativa. Uma vez revelado o fado, embora reconheça, pela negativa, o lado bom e o lado mau do vaticínio, já não consegue pensar em outra coisa que em assassínio! O homem aspira ao pior. A traição, pura e simples, podemos pensar que veio envelopada no baronato de Cawdor, como parte da herança, enquanto a aleivosia, esta lhe é soprada por Lady Macbeth; é ela quem lhe diz para iludir os convidados no jantar, escondendo dos outros seus planos macabros. Sempre em dúvida, Macbeth só se decide depois de ela dizer-lhe que, para honrar a palavra jurada, era capaz de fazer saltar os miolos da criancinha amamentada ao seio (I,vii,69-74):
                                                        Vamos!
Que um belo aspecto engane todo mundo!
Esconda um ar fingido a intenção
nutrida pelo falso coração (I,vii,105-8).
Quantas dessas cenas assistimos na vida! O seriado House of Cards, de Beau Willimon, denuncia, à exaustão, o uso político desse nefando recurso.

O segundo ato é decisivo. Banquo e seu filho marcam o momento gótico da peça. E é nesse noturno que Macbeth pede a Banquo, seu irmão de armas, para confiar e seguir ao lado dele. De algum modo, porém, a desconfiança já estava plantada no Barão de Lochaber: ele o seguirá com a condição de conservar o peito incensurável e a lealdade sem mancha (II,i,40-4).

O monólogo seguinte, em que aparece a alucinação do punhal, é considerado a apoteose shakespeariana:
                                        [...]a bruxaria
celebra o ritual de Hécate, a pálida,
e o mirrado assassínio, estimulado
por sua sentinela, o lobo, cujo
uivo é a senha, com furtivos passos,
com o mesmo andar do violador Tarquínio,
como um fantasma busca seu desígnio...(II,i,70-6)
Hécate, a pálida, é a Lua, deusa da feitiçaria, patrona das bruxas. Estamos no aristotélico mundo sublunar, das hierarquias e dos horóscopos. E Tarquínio é Sexto Tarquínio - filho do último rei de Roma1  -, que, para possuir Lucrécia, a casta, ameaça matá-la, conforme conta o historiador Tito Lívio. Mas, mesmo com passos furtivos, Macbeth teme que as pedras denunciem seu destino (II,i,80), pois, afinal, quando fariseus pediram a Cristo para ele repreender seus discípulos, ele não respondeu que, se eles calassem, as pedras gritariam? (Lucas, 20,40). E não confirmou Deus, ao profeta Habacuc, que, para denunciar os injustos, Sim, da parede a pedra gritará!? (Habacuc, II,11). Cometido o assassinato, se as pedras não gritam, grita-lhe a consciência:
“Não durmas mais! Macbeth trucida o sono.”
Fim para o sono da inocência. Adeus ao prato número dois da Natureza, o manjar mais forte na festa da vida (II,ii,60). Não custa lembrar: o prato número dois é o sono, como já escrevera Chaucer. Porém, atenção: quem já não dorme, de verdade, é Lady Macbeth!

Agora se reconhecem loucos (II,ii,51), e suas vidas, daí em diante, um inferno. Quando batem à porta, na madrugada fatídica, o porteiro, sem meias palavras, ao perguntar quem quer entrar, fá-lo em nome dos donos daquele báratro: Belzebu e o outro diabo! (II,iii,4,6). E, ao entrar, Macduff confirma: é tudo um horror! Depois, quando Macbeth assassina os camareiros do rei, impingindo-lhes a autoria do assassinato real, se seu gesto convence os ingênuos, não persuade os filhos do rei, Malcolm e Donalbain, nem Banquo, nem Macduff, que lhe pergunta: - Por que o fez?

E quando Macbeth segue para Scone2  (II,iv), onde será sagrado Rei da Escócia, conforme a tradição, Macduff não o acompanha mais. Banquo e Ross, sim. O primeiro, crente em seu dever para com o Rei, seja ele quem for (III,i,20), e o segundo porque tem segundas intenções.

Banquo, desconfiado da legitimidade de Macbeth, não se esquece da profecia: será pai de reis. Macbeth também não olvida! E, intranquilo, mesmo depois de dez anos de um bom governo (III,vi,22-3) - conforme às crônicas de Raphael Holinshed3, que serviram de base a Shakespeare -, culpa Banquo: se Macbeth é César, Banquo é o temido Marco Antônio (III,i,68). Antes que ele o derrube, melhor matá-lo também, e, ao contratar dois assassinos, aparecem três. Não esclarecida a identidade do terceiro, Polanski aí inclui Ross, tomando como argumento - por certo -, a conversa com Lady Macduff em que Ross se confessa um traidor (IV,ii,21).

E então o banquete com a aparição do fantasma de cabelos sangrentos (III,iv,76). Em meio à alucinação, Macbeth faz uma exclamação surpreendente: - Se nossas tumbas estão devolvendo os mortos, nossos monumentos serão agora o estômago dos milhafres! (III,iv,102-4). A referência é a Nabucodonosor; quando ele morreu, seu filho, Eilusmorodath, entregou seu corpo aos corvos para que não ressuscitasse.  Mas sangue chama sangue (III,iv,174), e se os nobres presentes ao jantar não acreditam em sua delirante confissão, as árvores falarão (III,iv,176). Como Shakespeare, Macbeth também era um leitor de Virgílio; conhecia a história de Polidoro, morto por uma chuva de dardos, sob os quais ficou soterrado, e quando Enéas vai arrancar umas varas para fazer um fogo de oferenda, as lanças, agora enraizadas, gotejando sangue, contam-lhe, com a voz de Polidoro, como foi assassinado pelo cunhado, ávido de ouro (Eneida, III,22-52)!

Macbeth parece uma criança que precisa ser levada pela mão e, para tal, confia-se às bruxas, que, diligentes, sob três diferentes formas, dão-lhe três orientações: em primeiro lugar, a própria imagem dele, depois transformada em uma cabeça decepada, recomenda-lhe cuidado com o Barão Macduff, de quem ele, aliás, já estava desconfiado; depois, da imagem da criança recém-nascida, ainda coberta de sangue, ouve que ninguém concebido de mulher poderá lhe fazer mal; a terceira, uma criança coroada com uma árvore na mão, diz-lhe que, enquanto a floresta de Birnam não subir ao monte Dunsinane, ele não será vencido! O que Macbeth não reconhece nas predições é que a cabeça decepada da primeira aparição é a dele mesmo, que a criança sanguinolenta é o próprio Macduff, nascido de cesariana, não parido, mas ripped, arrancado do útero materno, e que a criança carregando uma árvore é o jovem Malcolm demonstrando sua estratégia. Como nas análises, muitas vezes está tudo dito; mudando-se a ordem das palavras, pode-se mudar seu efeito! Mas Macbeth não tem a madurez necessária para entender e, em vez de se perguntar pela verdade do dito, preocupa-se em saber se a predição feita a Banquo é verdadeira. E é!

Aproveitando-se do efeito cênico do espelho, o diretor do filme faz entrar em cena os oito reis, em imagens sucessivas. Aí estão - de Roberto II a Jaime VI, que também foi Jaime I da Inglaterra -, todos da linhagem Stuart, da qual se diz descender de Robert de Bruce, que descendia de Banquo. Temos de registrar que, na época da apresentação da peça, reinava na Inglaterra Jaime I, recém-elevado ao trono em 1603, e não seria de estranhar que Shakespeare quisesse agradá-lo. E mais, esse rei era autor de um tratado sobre demonologia, o que pode nos ajudar a entender a atmosfera da peça.4 Nesse encadeamento de reis há, contudo, uma falta, uma nobre falta: a rainha Maria Stuart, mãe de Jaime VI da Escócia e Jaime I da Inglaterra (e Irlanda). Verdade que mencioná-la seria constrangedor, pois após vinte anos prisioneira da rainha Isabel, a quem veio pedir ajuda e reivindicar o direito ao trono da Inglaterra, foi finalmente decapitada, aos quarenta e quatro anos de idade.

Primário em sua compreensão do mundo, Macbeth manda matar a família inteira de Macduff, e quando este toma conhecimento e é aconselhado à vingança, por Malcolm, seu primeiro pensamento é de que isso seria impossível porque Macbeth não tem filhos (IV,iii,303). A vingança plena teria de ser olho por olho, filho por filho. Freud vê aqui um momento de virada. E é verdade, marcado o fracasso da relação pai-filhos, não há mais possibilidade de acreditar em nenhum sucesso para Macbeth.
Depois disso, temos o sonambulismo e a defenestração de Lady Macbeth. Sonâmbula, ela se ocupa da limpeza das mãos, impregnadas de sangue, como se fossa ela a assassina. Aliás, não fosse ter Duncan a aparência de seu pai, ela mesma o teria matado (II,ii,18-9). Mas, mesmo o autor tendo sido Macbeth, houve o parricídio. A hipótese de que Duncan houvesse morto o pai de Macbeth só reforça essa ideia. O assassinato de Banquo também é o de um pai, enquanto o filho escapa. E os filhos de Macduff são mortos porque o pai foge. Lady Macbeth, vindo de um casamento anterior, sabia o que era perder um filho (I,vii,68-9). O sangue em suas mãos não era só de hoje!

Em seguida, com um sutil retorno ao início da história, valorizando o significante presente no nome do cruel norueguês, Macdonwald, cujo sufixo, de origem germânica – wald -, denota floresta, temos a vingança final na subida do bosque a Dunsinane. E agora é a cabeça de Macbeth que vai tomar ar nos postes da cerca.

Ao cair do pano, uma nova consulta às bruxas. Agora, a do coxo Donalbain. E tudo recomeça...

Notas
1.  Tarquínio, o soberbo.
2. Scone fica ao Sul da Escócia, próximo da atual Perth, não muito longe do rio Tay. Aí, tradicionalmente, são empossados os reis desse país, sobre a notória Pedra de Scone, a consonante Stone of Scone. No filme, a pedra é chata com dois espaços cavados para posicionar os pés, enquanto a verdadeira pedra de Scone, também conhecida como Pedra do Destino, é um arenito irregular de 67 x 42 cm, com 26 cm de altura, e pesando 152 kg, usado para sentar. Diz a lenda que ela servira de travesseiro a Jacó, quando do sonho com a escada usada pelos anjos para descerem e subirem aos céus, e que, durante a coroação, nos primeiros tempos a pedra gritava os nomes da descendência do coroado. Trazida para a Escócia por um filho de Faraó, com escala de alguns séculos na Irlanda, onde era conhecida como Lia Fail, no final do século XIII, entretanto, sendo esta derrotada pelos Ingleses, ela foi levada por Eduardo I, junto com outros símbolos de Poder, para Westminster, onde, em 1953, pela última vez, serviu de acento à coroação de Elisabeth II. Em 1996, foi devolvida à Escócia.
3.  Chronicles of England, Scotland, and Ireland, 1587.
4.  Acredita-se que Shakespeare tenha utilizado também o Discurso de Feitiçaria, de Reginald Scott.

• Direção: Roman Polanski
• Roteiro: William Shakespeare (peça), Roman Polanski (roteiro adaptado), Kenneth Tynan (roteiro adaptado)
• Gênero: Drama
• Origem: Estados Unidos/Inglaterra
• Duração: 140 minutos
• Tipo: Longa-metragem

ELENCO
 
• Jon Finch    -                     Macbeth
 
• Francesca Annis    -           Lady Macbeth
 
• Martin Shaw    -                Banquo
 
• Terence Bayler    -             Macduff
 
• John Stride    -                   Ross
 
• Nicholas Selby    -             Rei Duncan
 
• Stephan Chase    -             Malcolm
 
• Paul Shelley    -                 Donalbain
 
• Maisie MacFarquhar    -    Primeira bruxa
 
• Elsie Taylor     -                 Segunda bruxa
• Noelle Rimmington    -    Terceira bruxa
 
• Noel Davis    -               Seyton
 
• Bernard Archard     -     Angus
 
• Andrew Laurence    -     Lennox
 
• Keith Chegwin    -          Fleance
 
• Diane Fletcher    -          Lady Macduff
 
• Richard Pearson    -       O médico
 
• Sydney Bromley    -       O porteiro
 
• Bruce Purchase    -        Sargento Caithness
 
• Frank Wylie    -             Sargento Menteith


 














    
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