Página de Luiz-Olyntho Telles da Silva

Comentários de Leitura

de
 
FREUD
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LACAN

 O DESVELAMENTO DO SUJEITO


Na leitura de um psicanalista

de

Luiz-Olyntho Telles da Silva

 10 de setembro de 1999

Salão Mourisco

da Biblioteca Pública de Porto Alegre, RS

p/
VERA REGINA DA GRAÇA RUSCHEL

Num tempo em que a todo instante somos convocados a navegar virtualmente, Luiz-Olyntho nos lança, com seu livro, um convite diferente: navegar sim, mas no mar da linguagem. E nos oferece onze lugares possíveis para aportar, acapitulando o cruzeiro num oceano de diferentes variações sobre o grande tema: a Psicanálise.

Se as variações são diferentes, algo porém, insiste. Eis que vemos repetir-se a alegria contida no nome do porto que dá guarida ao autor como domicílio, a mesma que está no nome de Freud.

Enfim, que ela nos seja a estrela-guia.

Senão, vejamos: Luiz-Olyntho inicia seu livro - desde a capa - pelo mundo das águas, incitando-nos com a metáfora das ilhas-icebergs, interligadas subaquaticamente. Aqui, já advertindo os incautos que os oceanos povoados de monstros vem dizer do que da profundeza pode emergir. Ou de que da Psicanálise não se espere outra coisa que o encontro com o pudendo.

Nosso primeiro porto, enfim, a Grécia, berço/concha da Vênus/Afrodite nascida das águas: fruto do sangue e do esperma do deus Urano, a nos remeter ao binômio sexo e morte com que o sujeito se debate no seu existir.

E se estamos no mar, é bom ter cuidado com o canto da sereia, cuidado com o encantamento do mel-odioso discurso da linearidade, pois ao analista compete escutar o que não está dito. Ou, como melhor lembra Luiz-Olyntho: entendendo tudo ao contrário (p. 95), amarrando-se ao mastro da teoria, porém, de modo apenas suficiente para escutar o que importa.

Quiçá o analista deva inspirar-se em Ulisses que, para enganar o ciclope utiliza-se da arte[e]manha de trocar uma letra de seu nome: em vez de Odi (Odisseu), Udi (ninguém). Ninguém cegou o gigante. E assim, pode ir-se em paz. Essa é a metáfora tomada pelo autor para referir-se à verdade que, conforme escreve no texto dedicado à Instituição Psicanalítica (p. 94), não pertence a ninguém. Como lembra - é uma mulher sem dono, não pode ser dita por inteiro. Ha que ser fendida, atravessada por uma barra, permitindo-lhe escrever : Instituição Psicanalítica - mulher.

E, na mesma direção, o mastro, uma clara referência ao falo, não o emblemático, o que oferece enganadoras garantias, mas o que se posta como significante e, como tal, representante do vazio, da falta. Literalmente: "é na medida em que o analista se apega ao valor significante ... é no momento em que ele valoriza isso que ele pode se dar conta da especificidade do discurso de cada um."

E, me perdoem se insisto no tema, mas ele é fascinante - fiquemos um pouco mais neste porto.

Quando aponta a questão da seleção dos candidatos ao posto de analista, ao tempo de Freud, Luiz-Olyntho traz a história tomada por Freud de Victor Hugo sobre o método utilizado nos países nórdicos para ver se uma mulher era bruxa ou não: a fervura. Depois o caldo era provado; conforme o gosto, ficava-se sabendo. Ora, tudo isto para nos indicar que é somente no a posteriori que a Psicanálise opera. Seguindo o autor, "quem quiser entrar entre, quem quiser falar, fale - faremos nossa apreciação ... de pois de um certo tempo de fervura, considerados certos critérios"(p. 92). Critérios postos para abrigar a Psicanálise e sua transmissão antes que aos psicanalistas. É o que preceitua o autor no capítulo quatro, quando afirma ser a Instituição Psicanalítica o desejo de Freud. E os que se julguem herdeiros dele, há que transmitir a herança "sem estragos, de preferência com acréscimos"(p.74).

Grande responsabilidade aos que queiram ocupar esse lugar! Lugar de quem? De analista, é claro! Então, sigamos, ou podemos dizer, sirgamos?

Em dado momento, nosso comandante nos adverte que uma vez sujeitos, não há como escapar da castração. Até o tempo nos trai! Vejamos: no texto Desser o A-na-lista (p. 98), elocubrando sobre a formatação do tempo pelo homem, Luiz-Olyntho chega à constatação de que o ano da nossa era começa no dia da circuncisão, no dia da castração (p. 101). É com o que se depara o tempo todo quem cometa a ousadia de querer ocupar esse lugar, desde logo, uma atopia, um não lugar. Até porque alguém só é analista quando produz atos analíticos e isto não acontece a todo momento.

Gostaria de marcar um importante aporte teórico que nos traz o autor, a esse respeito. Na discussão sobre o ser do analista, nos diz que ele não tem esse direito porque a preocupação com o ser é de outra ordem. Um analista para ser "tem que desser" (p. 103).

Se acreditamos em Lacan, o ser do sujeito deve ser buscado no lixo, nos sambaquis (p.106) e a própria história é esse amontoado de lixo que vem de geração em geração. Luiz-Olyntho nos traz o termo Lathouse, sugerido por Lacan - a quinquilharia que não para de povoar o mundo. Daí a relação ao lugar do analista - esse resto não como merda, mas como semblante do perdido, do caído, isso para não produzir angústia e permitir que uma análise ande (p. 124).

A imagem plástica trazida pelo autor, em Duque da Verdade, corrobora esta idéia. O vitríolo, ácido letal, ao mesmo tempo que faz Gil Gil passar pela morte para aceder à verdade é a Lathouse a ele legada por seus ancestrais.

Ancestralidade que vem falar do tempo, tratado em vários textos, passando pela Psicanálise freudiana e sua recomendação da não pressa em curar (p. 211), fazendo-nos atentar para o fato de que uma análise dura o tempo de uma transferência (p. 211).

E, por aí, atracamos no último porto, onde o convite para um piquenique às margens do Coruripe, regado a um bom filé, uma carne sem osso, nos remete à antropofagia.

O Bispo que não tinha para quem se queixar, no Brasil, acaba servindo de repasto aos índios Caetés. Só que aquele que teve o direito de ter um nome a mais acrescentado ao seu, não viveu para contar o feito!

E - maravilhas do significante! - Luiz-Olyntho termina seu livro nos contando que a língua portuguesa nasce justamento num Porto, que pelo deslizamento metonímico posta pela linguagem, nos permitiu viajar hoje.

E não é demais lembrar que o leme está na mão de quem sabe fazer do rigor dos conceitos uma trama cujo tecido serve de vela à nossa nau.

Mas se vela, des-vela ao mesmo tempo em re-vela, como nos chama a atenção na introdução de seu livro.

Então, se viver não é preciso... velas ao mar!

Outono, 1999
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Trabalho apresentado, em 10.09.1999, no Salão Mourisco da Biblioteca Pública de Porto Alegre, na Mesa em que também Participaram Donaldo Schüler, Liliane Fröeming, Paulo Roberto Medeiros e Roberto [Tatata] Pimentel.