Página de Luiz-Olyntho Telles da Silva



  M E D É I A

Luiz-Olyntho Telles da Silva

Representada pela primeira vez em 431 a.C., esta tragédia de Eurípides não cessa de impressionar. Em 1970, Pasolini nos dá sua versão da peça: com a ajuda de close-ups, nos detalha o rosto de Medéia, um rosto suave onde Maria Callas não deixa transparecer apenas o monstro. Em 1975, Paulo Pontes e Chico Buarque transpõem a tragédia ao cenário carioca, em Gota d’água, onde Bibi Ferreira dá vida à Joana-Medéia, a encarnação do sofrimento dos humildes. E agora Luciano Alabarse, com uma outra leitura, retoma o texto de Eurípides, onde Medéia se agiganta na interpretação de Sandra Dani.

Quem pode dizer de sua origem? Ou não se estava presente ou se estava insciente. Então criamos mitos para responder à nossa angústia frente ao vazio.

A mítica Medéia é bruxa - como as mulheres que fazem tudo por seus homens -, e estrangeira, como todas as mulheres depois de decretada a exogamia. Originária da Cólquida, rica em ouro - situada onde hoje está a Geórgia, no litoral do mar Negro -, Medéia ajuda Jasão na conquista do velocino de ouro em troca da promessa de casamento!

Guardado a sete chaves, o velocino de ouro era um bem precioso do rei Eetes, pai de Medéia. Entregá-lo a um forasteiro implica em traição. E Medéia tem que fugir. Para retardar a perseguição real, não hesita em espicaçar o próprio irmão, Apsirto, tomado como refém. Mais tarde, traída pelo marido que a deixa para casar-se com a filha de Creonte, herdeira de Corinto, Medéia não hesita novamente em matar os filhos e enviá-los ao marido como vingança, uma cena, aliás, em que a iluminação da premiada Cláudia De Bem mostra a apoteose da neta do Sol.

A Medéia de Sandra Dani me fez pensar na solidão da personagem! O afinado coro e o figurino de Rô Cortinhas, com seus esportivos soldados vestindo máscaras de esgrima, reforçam a idéia. Se ela trama uma estratégia de fuga com Egeu, é sujeita a seu destino de trânsfuga. Mas a vingança já estava planejada, a qualquer custo.

A peça abre com a ama de Medéia lamentando a sorte de sua senhora. Enquanto dura esse recital, Medéia soluça e geme intra muros. Cessa o recital da ama e os gemidos, raivosos e sofridos, continuam. Medéia está só! Rompeu com pai e irmãos, e foi abandonada pelo marido.

Junto da interpretação corrente da medéica revolta frente à submissão da mulher, proponho pensar também nas consequências da incompreensão dos pais que não aceitam a maturidade das filhas em busca de seus próprios caminhos. E também na incompreensão dos irmãos, que tendo muitas vezes feito as primeiras descobertas sexuais com suas irmãs, não querem renunciar a uma imaginária posse. Para dar curso a uma vida exogâmica, não raro a mulher precisa fugir de casa, rompendo com pais e irmãos que a impedem de voltar a pôr os pés em casa. Quando os maridos as abandonam, estão sós. Amiúde não lhes resta nada além da amargurada vingança.


Porto Alegre, junho de 2008.

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