Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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A NITIDEZ DAS COISAS

Luiz-Olyntho Telles da Silva
fevereiro de 2019



A NITIDEZ DAS COISAS
p/ José Eduardo Degrazia
Porto Alegre, Ed. Artes & Ecos, 94p., 2018.


Os poemas de A Nitidez Das Coisas são muito bons. Muitos deles eu mesmo, fosse poeta, gostaria de tê-los escrito. Gosto dos poetas que veem o mundo tanto nos seus detalhes como na sua amplidão. E também dos que reconhecem a nossa solidão. Assim, gostei quando, em sua apreciação, Sidnei Schneider aproxima Degrazia de Baudelaire. Embora com linguagem e argumentação própria, sua poesia, Carta de Náufrago, tal a de Charles Baudelaire, está dirigida ao leitor, e a sua com melhor tradução da frase identificadora, mon semblable, mon frère!; digo melhor, em referência à feita por Ivan Junqueira, um poeta também tão importante, mas que, não raro, deixa passar detalhes que modificam, em suas traduções, o sentido original. A figura da mensagem na garrafa jogada ao mar, presente também em Náufragos, é muito expressiva: depois de vencer os pélagos, ainda precisa ter a sorte de cair em mãos de alguém capaz de acreditar nela e vir em seu socorro.

Claro, o psicanalista que em mim habita, adorou ver o desejo e a culpa de mãos dadas na Teoria dos Sonhos, o motivo a exigir expressão e os implícitos disfarces simbólicos para iludir a censura. Mas o homem que sou, mortal, humano, demasiadamente humano, não ficou insensível – como não o ficariam nem Nietzsche nem o desditado Sócrates –, com seu verso de A Humanidade das Coisas, em que canta o valor dos objetos úteis e dos que são inúteis. Afinal, se temos certeza da morte, como Degrazia canta em Contemporaneidade, um dia, só eles [os objetos] estarão aqui, só eles lembrarão da tua existência. E a reconhecida dificuldade em encontrar O Nome da Coisa, poema em que percebo um certo confronto com o Dante da Vita Nuova em torno ao apotegma de Justiniano, Nomina sunt consequentia rerum.

Mas o mundo existe mesmo é pela palavra. Sem ela, para nós, nada existe. E então li o seu poema A Palavra Para Ser Dita, junto com Seixos e Palavras, e estou de acordo: a língua é em nós nossa verdade. Para poder enunciá-la, o poeta, como Demóstenes, sempre gago, precisa da boca cheia de pedras. Uma figura dura, sem dúvida, mas sem a qual o poeta nunca dirá a delicadeza do arco de um seio na areia a escorrer da clepsidra.

Em Existimos, leio um percurso que vai de Lucrécio a Shakespeare, e a William Faulkner. Da compacidade do mundo, marcada pelo vazio, até à sombra que passa, como nas palavras de Macbeth, full of sound and fury.

Todos Seremos Deuses é como uma lufada de vento tornando a vida plena de esperança. Já não seremos apenas iguais aos deuses, como disse o Ricardo Reis, de Pessoa, seremos os próprios e sobreviveremos, como grãos de areia, na poeira dos anéis de Saturno, no sétimo céu dantesco.

Em Antigos (e também em Principalmente), reencontro Omar Khayyám, poeta de minha juventude, recomendando não perguntar pelos que se foram, porque não voltarão, e o cuidado ao pisar na areia, porque ela pode ter sido, outrora, o braço de um belo adolescente, mas também reconheço a força homérica do amor, no tálamo da árvore que ainda dá flor, e entendo por que Vera Lúcia de Oliveira classifica, na apresentação do livro, a poesia de Degrazia como sendo lírica: aí, Odisseu retorna para Penélope.

A poesia de José Eduardo Degrazia está tomada pelos grandes temas: o nascimento, o amor e a morte. Se para Marx o homem nasce quando se torna produtivo e, para Freud, quando é desejado, leio, em suas letras, como deixa transparecer em Tempo E Existência, o homem nascendo ao emergir para a vida, consciente do caos propiciado pelo desconhecimento de si mesmo.  

Ao ler poesia, tenho sempre presente a recomendação genérica de que ela deve conter referências a Homero, e A Nitidez Das Coisas é plena dessas alusões. Entendo, porém, que dizer Homero é aludir aos clássicos. Em Dante, por exemplo, na Comédia, se há algo que caracteriza todos e cada um dos trinta e três cantos de cada uma de suas três grandes partes (mais um da primeira parte, para fazer cem), são os monósticos, uma construção de fechamento, presentes também em alguns dos poemas de Degrazia. Em A Árvore Se Faz No Vento (p.70) – que pode ser lido como uma extensão da comparação da árvore com um sermão, feita por Vieira, em O Sermão da Sexagésima –, o monóstico honra ao mestre:
A árvore acontece quando se move
no vento, ou no pensamento,

como o poema quando nos comove.

Retrato por Miguel Elías