Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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O TROMPETE DO FUHRO


 


Falemos da falta, da fal-ta, tá tá tá tá! Aí está um belíssimo exemplo de uma falta produtora de efeitos, e de sonoros efeitos. Comecemos pela dedicatória: quando a vi pela primeira vez, um lapsus lectura me fez ler "P.A. Para LOTS, amigo do meu amigo Franklin. Fuhro 96". Foi só depois de algum tempo de deleite que pude reler, onde antes eu vira Franklin, que Fuhro atualizara a data de sua gravura de 96 para 004, de modo que, em "Fuhro 004" se pode ler também Franklin. Isto quer dizer que desde agora este nome estará ligado para sempre a este quadro. E como poderei agradecer ao amigo tamanha gentileza? E ao Fuhro, tão gentil, tão desprendido a ponto de dedicar-me algo de tanta intimidade como uma P.A., esta prova que o Artista examina com especial atenção, que olha várias vezes, conferindo todos os traços para ver se estão todos lá, se não está nenhum a mais e nenhum a menos, e se as cores saíram como esperava, se as tonalidades, sim as tonalidades, porque se trata disso, se elas estão no ponto certo?

Fuhro sabe da falta. Na sombra da esquerda aparece apenas o interior do trompete, o que falta, o furo, o vazio sem o qual não há propagação de som. Na sombra vejo ainda uma silhueta em azul, um azul anil, um bleu, um blue a invadir o primeiro pisto. Pois este pisto nos diz que este trompete não é um trompete qualquer, mas sim um trompete cromático, um trompete capaz de dizer tons, semitons e também, por que não, tonalidades. Aqui, indo do vermelho, do sangüíneo, ao azul, ao blue, depois de passar pelo palindrômico marrom, representante da terra de que somos feitos e intermediário entre o sangue sem o qual não somos e o céu, a um só tempo ideal e ânimo de nossa vida, Fuhro diz - através das cores estremas do arco-íris - de todos os tons e semitons capazes de serem alcançados com este instrumento que, surpreendentemente, com apenas três pistos consegue atingir até três oitavas.

Se somos efetivamente históricos, temos de lembrar que o trompete cromático tem aproximadamente a mesma idade do homem - a crer no ponto de vista de Foucault, míseros duzentos anos - pois o trompete só se torna definitivamente cromático em 1830, depois de adotar os pistons inventados por Blühmel e Stözel. Antes dele a trombeta era o instrumento para ordenar os principais momentos do dia ou para anunciar os grandes momentos históricos. Os exércitos romanos não eram sem as trombetas. Anunciavam os sacrifícios, os jogos públicos e mesmo os enterros. A Atena de Argos, a Atena Salpinx, tocava trombeta - ou clarim, se preferirem. Esse instrumento celebra uma associação entre o céu e a terra. Nas grandes procissões da Grécia antiga os passos eram cadenciados por trombetas, mesmo nas festas dionisíacas. O sopro que insufla a vida é sempre marca do celeste, do divino. É Júpiter que insuflando vida ao húmus, faz dele homem. O trompete cromático de Fuhro, com o pavilhão voltado para o céu, me faz pensar nestas coisas. A relação entre o bocal e o pavilhão, mesmo a não esquecida chaveta-d’água colocada por baixo, fazem pensar em uma compressão - característica do trompete barítono, masculino - cujo propósito interpreto como sendo o de privilegiar o vertical frente ao horizontal, o mesmo vertical privilegiado pelo gótico, o vertical das abscissas frente às ordenadas, da metáfora frente à metonímia, do actante trágico, sempre o mesmo sincronicamente, frente ao cambiante e diacrônico ator.

Hoje a trombeta cromática canta tudo, mas canta sobretudo o Jazz, o blues, a dor de viver, esta dor que nos irmana. A máscara - marca de uma igualdade característica dos orientais - com a qual Fuhro encobre o particular veneziano de seus personagens está aqui metaforizada neste trompete. É ele, instrumento capaz de fremir as almas, o representante a mascarar o íntimo sensível frêmito frente à capacidade do sopro, do flatus divino.

Luiz-Olyntho Telles da Silva
Porto Alegre, 22 de agosto de 2004.

FORTUNA CRÍTICA:
JACOB KLINTOWITZ
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