Luiz-Olyntho Telles da Silva Psicanalista

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15 III 2010:
OS VIZINHOS

Luiz-Olyntho Telles da Silva

Ah! Os vizinhos. No prédio onde moro, com quatorze apartamentos, tenho treze vizinhos.  Sim, treze! Se para muitos é um número de azar, não o é para todos. Para mim representa sorte. Quando criança, meu melhor amigo, morava na casa de número treze, e nós éramos os vizinhos do dezenove. Nossa casa ficava em uma esquina, e dos vizinhos da rua transversal já não lembro bem; acho que não tinham crianças e nunca os conheci direito, embora uma vaga lembrança diga terem sido nossos vizinhos também na praia, mas não me lembro de nossa frequência ter ido além de um eventual bom-dia e de algum inofensivo comentário sobre o tempo. Mas os vizinhos, de modo geral, despertam uma grande curiosidade.

Quem não se lembra do filme Janela indiscreta, de Alfred Hitchcock? Se o seu título tivesse sido traduzido ao pé da letra – Janela de trás, Rear window – por certo não seria tão interessante!  Mas em inglês, o título faz muito sentido. No romance original, homônimo, de Cornell Woolrich, o personagem que observa seus vizinhos desde sua cadeira de rodas, onde convalesce da fratura de uma perna, em certo momento, depois de bastante convencido de que muito provavelmente houvera mesmo um assassinato, convencido a ponto de pedir a um amigo detetive que investigue o caso com discrição, acomoda-se para vigiar e esperar pelos novos acontecimentos na vizinhança, descrevendo sua posição privilegiada de observador assim, na tradução de Rubens Figueiredo para a Companhia das Letras: Eu tinha um assento na tribuna de honra. Ou numa tribuna de honra pelo avesso. Eu só podia ver os bastidores, não a frente. Ora, as informações obtidas nos bastidores são diferentes das apresentadas no palco, feitas com o objetivo de proporcionar um determinado efeito. As informações de cocheira, como se diz no Jóquei-clube, parecem sempre mais valiosas, embora muitas vezes possam ser falsas. Mas é ai, on her rear veranda, que uma das personagens acrescentadas ao screenplay  - por John Michael Hayes que adaptou o conto para o cinema -, desesperada ao saber que alguém havia matado seu cachorrinho, grita indignada sua constatação: - Não sabem o que significa a palavra vizinho! Vizinhos se gostam, conversam, preocupam-se se estamos vivos ou mortos. Nenhum de vocês faz isso! Em seguida, referindo-se ao cachorrinho recém morto, exclama: - Ele era o único aqui que gostava de todos!

Espera-se que os vizinhos se gostem, mas para se gostar, será que precisam se conhecer? Às vezes parece melhor não! Conhecer o outro nunca é fácil! E não se trata apenas de uma dificuldade nova-iorquina. Conhecer o outro parece difícil em qualquer latitude.

Nós, por exemplo, os brasileiros. Amamos o Carnaval! Somos o país do Carnaval, bradamos orgulhosos e com a mão no peito. De norte a sul, com algumas variações, temos nessa folia um traço de união. Nas capitais dos Estados, nas Cidades e Vilas do interior, festejamos o Carnaval. Viajados que somos, conhecemos também outros, como os de Veneza, famoso por suas máscaras e fantasias, New Orleans, onde, desde o alto dos carros alegóricos jogam moedas para a multidão, e mesmo o colorido e alegre cortejo de Nice. O que é famoso todos conhecem!

E dos nossos vizinhos, que sabemos?

Como moro no Sul, pergunto pelo Carnaval de nossos hermanos uruguaios. Quem conhece? Pois lhes confesso que depois de frequentar o Uruguai há mais de trinta anos, só agora é que penetrei um pouco em sua intimidade. Primeira surpresa: dura quarenta dias! É o Carnaval mais longo do mundo.

Os vizinhos sempre são diferentes, embora nem sempre se reconheça. Como Estado, por exemplo, o Uruguai, não é religioso, e nós tendemos a pensar que todos os uruguaios são ateus, pois, afinal, quando comemoramos a Semana Santa, na Páscoa, para eles, é Semana de Turismo, e fazem feriados por uma semana.  Sabemos tratar-se de um estereótipo e que há uruguaios de todas as religiões, e alguns mesmo dotados de fervorosa fé. Outro dia, lembro muito bem, conheci uma brasileira que ia ao Uruguai para iniciar-se no Budismo. Mas se eu nunca entendera por que uma semana inteira dedicada ao turismo, contra os nossos singelos três dias, agora se faz uma luz: precisam descansar de tanto carnaval!

Meus amigos uruguaios saberão que minha exclamação não passa de uma broma para descaracterizar minha eggnorância, como diria Joyce, minha ignorância ab ovo.

No seu carnaval, um programa basicamente musical teatral, nossos vizinhos se divertem a valer. Os amigos se reúnem para fazer textos divertidos e apresentá-los nos teatros. Trata-se basicamente das comparsas e das murgas.

As comparsas são formadas por negros e lubolos, quer dizer, brancos que se disfarçam de negros para participar das festas junto com os negros e dançar o sensual e alucinante candombe. Para as murgas que se formam várias, reúnem-se entre quatorze e dezessete pessoas cujo laço se forma pela identificação frente a episódios que, salientados no transcurso do ano, lhes permite articular uma crítica política e social. São grupos de amigos, muito bem organizados, coloridos, e suas críticas construídas com muita alegria e bom humor. Eles têm tanto sucesso, que nesses quarenta dias, com a venda de ingressos, têm uma arrecadação maior do que todos os demais eventos esportivos, incluindo o futebol, durante todo o ano. Não é surpreendente? Neste Carnaval de 2010, ganhou o primeiro lugar a murga Contramano, jogando com a figura (sempre ausente na peça) de Mujica, o novo Presidente eleito.

Então? Que me dizem? É fácil conhecer os vizinhos?
Será que todos usam algum disfarce, alguma máscara, como fez William Irish com o pseudônimo de Cornell Woolrich?





  

Murga Contramano


FORTUNA CRÍTICA:
Dulcinea Santos
Leia também o artigo de D.Santos escrito a partir desse.
















































































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